Recuar Avançar

A carta do tio Mário

 

Abaixo a tradução da “Carta do Tio Mario”. Esta carta deve ter sido escrita pelo tio Mario após a morte do vovô, ou seja depois de julho de 1947, já que a carta menciona a morte deste. Acredito que ela foi escrita originalmente em português e traduzida ao italiano por alguém. O italiano da carta é bom, mas tem alguns escorregões puxando para o Português. A carta foi datilografada e o tio Mario ficou com a cópia em carbono, mandando o original para sua prima Kathy, filha da irmã do vovô, Beatrice. A cópia ou cópias dessa carta existentes no Brasil eram de má qualidade, praticamente ilegíveis. Por sorte, acabei cruzando com uma descendente americana da tia Beatrice que tinha a carta original. Pedi-lhe uma cópia que é perfeitamente legível clique aqui para vê-la.

     Como você pode ver a família Drammis provem da Espanha, e nós temos como avô o barão Antonio, filho de Salvatore.
     Até 1924, nosso pai Ernesto nunca se manifestou no que diz respeito à família. Quando lhe perguntávamos alguma coisa a respeito, ele sempre respondia que não tinha parentes, e que seus genitores estavam mortos e, apesar da nossa insistência em querer saber mais de seus parentes se negava terminantemente a acrescentar algo sobre esta questão, mantendo um silêncio difícil de entender.
     Num certo dia de 1924, no entanto, esse mistério começou a desvendar-se um pouco da seguinte maneira:
     Ao voltar de um passeio ao centro da cidade, percebemos que ele tinha chorado, negando-se ele a explicar o porquê do pranto. Um dia, no entanto, veio visitar-nos uma senhora com idade já avançada, e disse ser natural da Calábria e contou que tinha visto nosso pobre pai numa rua da cidade, e quando o viu o reconheceu imediatamente , o chamou, dele se aproximou e o abraçou exclamando; Oh! Meu Deus, você é Ernesto.
     Papai queria negar e disse que era provavelmente um erro, mas ela respondeu que não; que o conhecia muito bem e que ela o ajudara a crescer em sua infância e em sua adolescência. Desta vez o papai não teve mais força para negar nada e confessou que era mesmo ele.
    Papai e nós ficamos muito emocionados e com desgosto ouvimos dessa simpática senhora sobre a morte de nosso pobre avô ocorrida em 1910.
     O nome dela era Lucrezia Talarico e por suas declarações e as do pai ficamos sabendo o seguinte: a família Drammis detinha muita influencia do sul da Itália e pertencia à fina flor da sociedade nobre e rica do local. Em seu tempo teve como líder o Barão Antonio Drammis, pai legítimo de Ernesto, Beatrice e Gugliermo , sendo mãe dos três nossa avó Maria José. Esses filhos foram criados no meio da abundância e receberam esmerada educação.      Nosso avô Drammis, casou-se em segundas núpcias. Da primeira união não teve filho natural, mas sim um filho de criação, chamado Carmino que foi tratado e educado como os filhos legítimos.
     A tia Isabel, a qual você se refere era parente por parte da mãe de nossos pais, (Maria José ) pois havia uma tia de nossos pais que se chamava, ou chamavam-na, Mica, sendo ela uma pianista e harpista de concerto. Você consegue se lembrar se sua mãe, talvez, alguma vez mencionou este fato?
     Lucrezia continua:
     Beatrice, uma jovem muito bonita e elegante era a flor dos Drammis. Única filha mulher e portadora de uma grande cultura era a maior amiga de seu irmão Ernesto; este muito boêmio e dissoluto dedicou-se a todos os tipos de diversão ocasionando muito desgosto a seu pai . Beatrice sempre tentava encobrir sua ausência, ficando esperando por ele até tarde da noite.
     Beatrice, ao completar 22 anos, foi forçada a se casar com um nobre, coisa muito natural naquela época, mas Beatrice se revoltou contra a decisão do pai, causando-lhe grande tristeza. Nessa época ela conheceu um farmacêutico chamado Angelo Argala (eu acho que era Lucchese, ou seja da cidade de Lucca na Toscana) e sem o consentimento paterno se casaram e emigraram para a América do Norte. Tal fato causou um forte abatimento ao barão Drammis que decidiu “esquecer“ sua filha. Esta, no entanto, sempre manteve correspondência com seu irmão mais novo Gugliermo. Foi através de Gugliermo que meu falecido pai obteve o endereço da tia Beatice ou Bigi como a chamávamos intimamente.
     Ernesto, filho legítimo do Barão Antonio Drammis, deixou sua casa quando tinha cerca de 30 anos de idade. Quando jovem, por ser inteligente e astuto era o orgulho e a esperança de seus pais na continuação desta família tão tradicional. Embora ele se dedicasse a uma vida boêmia, cheia de vícios e de mulheres, era no entanto também caritativo e homem de palavra, algo que até hoje nos orgulha. Afinal teve uma discussão com seu pai, a qual muito lhe afetou e influenciado por más companhias abandonou a tudo e a todos indo para o Brasil. Passado algum tempo sentindo as dores do remorso e cheio de nostalgia tentou voltar à Itália com o mesmo navio que o trouxera, mas chegou tarde demais ao porto, com o vapor já partido. Em seguida, veio para São Paulo e aqui se estabeleceu, sempre triste pelo que tinha feito nunca mais dando notícias à sua família, tal qual o fez a Tia Beatrice, mas sem nunca revelar sua verdadeira origem, nem mesmo a seus próprios filhos.
     O sobrenome Capozzi tem a seguinte origem: .
     Em 1896, o Barão não queria que Ernesto fosse chamado para lutar no exercito, porque possivelmente iria para a África já que na ocasião a Itália estava em guerra com Menelik (rei da Etiópia) Por essa razão envida esforços para conseguir documentos com o nome de Capozzi , o qual era um parente que não tivera filhos. .
     A partir de então começou a usar o nome Ernesto Capozzi e não mais Ernesto Drammis, inclusive ao vir ao Brasil onde usou o nome Capozzi ao constituir família. .
     Beatrice e Gugliermo sempre estiveram no pensamento de nosso pobre pai . Quando a tia Beatrice se preparava para visitá-lo no Brasil foi surpreendida pela morte. Gugliermo também morreu em 1938 aos 47 anos, mas sempre lhe escondemos esse fato, pois nosso pai já estava muito doente e não era conveniente. Apenas alguns meses antes de sua morte é que papai soube do fato, o que certamente serviu para aproximá-lo da própria morte. .
     Quanto a Carmino, meu irmão Anthony, seu velho conhecido, contou-me certa vez que você se referiu aos filhos de Carmino que moravam em outra parte (dos EUA?) e que você não tinha tido mais notícias deles. Então Katie, sua mãe adotando o sobrenome Moreno e meu pai o de Capozzi passaram a vida se escondendo como se fosse um sonho ou talvez uma história de aventuras de fadas. Suportaram com um sorriso ou com a nobreza de um grande coração o que não queriam revelar, ou o que tentaram revelar, e nós não os entendemos. .
     A mãe de papai era prima legítima do grande general Grazziani e é também uma prima de Julio Pignatari já falecido, homem bem conhecido no Brasil e na Itália, e que teve um filho, Francesco Pignatari que mora no Brasil, é multimilionário.



Beatrice (Drammis) Marino e Ernesto (Drammis) Capozzi.